Com chouriço de peixe e cabidela de crista de galo, chef reinventa cozinha tradicional portuguesa
A culinária portuguesa é conhecida pela fartura e pela longevidade das receitas tradicionais. Um restaurante no Algarve –no Sul de Portugal– tem chamado a atenção por desconstruir com criatividade essa imagem: aposta em uma dezena de pequenos pratos no estilo degustação, que unem antigos sabores às mais modernas técnicas de preparo.
Até 2013, o restaurante São Gabriel tinha uma receita segura para agradar a clientela majoritariamente britânica e alemã: uma cozinha europeia clássica com receitas na medida para o paladar anglo-saxônico. Seguindo essa cartilha, o estabelecimento mantinha uma estrela Michelin desde 1995.
A chegada de Leonel Pereira ao comando da cozinha trouxe uma mudança radical: o menu foi progressivamente se desligando da “comfort food” do Norte da Europa e assumindo cada vez mais seu DNA português.
A mudança de rumo atraiu atenções, mas, como em muitas casas em que há troca de chef o guia Michelin retirou a estrela do São Gabriel.
A saída da constelação de restaurantes Michelin durou pouco: a estrela foi devolvida já no ano seguinte. E a ela seguiram-se outros prêmios nacionais e internacionais, como destaque para os três sóis (nível máximo) do guia Repsol.
A RECEITA
Basicamente, Leonel Pereira tem apostado alto na mistura de sabores muito tradicionais de Portugal, mas preparados com as mais modernas técnicas culinárias e, muitas vezes, apresentados de maneira totalmente fora do convencional. O carro-chefe do restaurante é o menu-degustação.
O mais recente, não por acaso, recebeu o nome de “Momentos Improváveis”.
As entradas já dão um gostinho do que está por vir: versões do tradicionalíssimo frango com piripiri e de uma salada montanheira, feita com minúsculos camarões da área pesqueira vizinha, com fitoplâncton.
A maiores estrelas da carta são certamente os peixes e os frutos do mar. É com eles que Leonel Pereira apresenta suas mais ousadas criações, como uma releitura de dois dos mais tradicionais embutidos portugueses: o chouriço e a morcela (linguiça de sangue).
O processo de criação levou mais de um ano, entre testes com diferentes tipos de peixes e modos de cura.
“Queria um resultado que fosse muito próximo do original e mostrasse a tradicional cura portuguesa”, explica o chef.
Batizado de “chouriço do mar”, a versão de peixe da iguaria é servida com papas de milho (uma espécie de mingau espesso).
A morcela de peixe é apresentada em um prato ousado até para os mais atrevidos comensais: uma dobrada de chocos — molusco parente da lula que solta uma tinta preta e é muito apreciado em Portugal– com favas.
“É um prato arriscado, sobretudo para quem tem a maioria dos clientes de outros países. Mas é intenso e um dos meus favoritos, a pessoa vai sujar a boquinha a comer”, brinca o chef.
Outro famoso prato, a galinha à cabidela (com sangue), também ganhou uma releitura. Na versão do São Gabriel, a cabidela é feita de cristas de galo e servida dentro de uma espécie de massa de pastel que tem a forma, claro, de uma crista de galo.
Com formação em três das grandes escolas gastronômicas do mundo — Lenôtre, Alain Ducasse e The Culinary Institute of America– o português diz que virou cozinheiro por acaso, mas que hoje gosta de elaborar cada detalhe de suas criações: dos ingredientes à harmonização com os vinhos.
Por trás dos pratos, mesmo nos detalhes, há em geral um longo trabalho de pesquisa. Um dos “pózinhos” que dão sabor à sobremesa é uma combinação de mais de 20 ervas aromáticas cultivadas organicamente no próprio restaurante. A cor verde de um dos sorvetes levou meses até ser desenvolvida.
“Nós poderíamos só acrescentar um corante verde, mas não seria a mesma coisa. Investigamos várias plantas e extraímos a clorofila até chegarmos à coloração desejada”, explica.
BRASIL
Pereira viveu no Brasil durante quatro anos e comandou a implementação da cozinha do hotel Pestana em todo o país.
“Sou um apaixonado pelo Brasil”, diz ele, que morou em Salvador e no Rio de Janeiro, onde chefiou o restaurante Cais da Ribeira.
“Trabalhar com tantas pessoas (ele tinha mais de 400 cozinheiros) foi uma experiência incrível, mas eu quis mudar”, afirma Pereira, que diz hoje preferir o sossego do Algarve.
“Fazer uma culinária criativa aqui é um desafio. Em Lisboa, tudo é mais fácil, está-se perto de todo mundo. Mas esse ambiente é ideal para criar. Não troco isso”, conta.
SERVIÇO
São Gabriel: Estrada Quinta do Lago, Vale do Lobo, Algarve, Portugal.
Contatos: info@sao-gabriel.com e +351 289 394 521
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