‘Portugal é a porta de entrada do Brasil para o espaço europeu’, diz novo embaixador brasileiro
Ex-ministro das Relações Exteriores (2013-2014) e antigo negociador-chefe do Brasil em questões ambientais, Luiz Alberto Figueiredo Machado, 61, é novo embaixador do Brasil em Portugal. Conhecido no meio diplomático como um estrategista, o carioca diz que as relações entre Portugal e Brasil passam por um momento de recuperação e que há bastante espaço para estreitar os laços econômicos.
“Portugal é como a porta de entrada do Brasil para o espaço europeu. Uma empresa brasileira que queira ter acesso ao espaço econômico da Europa encontra em Portugal oportunidades de se instalar e expandir os seus negócios para a Europa em circunstâncias mais favorecidas do que se ela não viesse para cá”, avalia o embaixador, reforçando seu apoio para um futuro acordo entre o Mercosul e a União Europeia, atualmente em discussão.
Com cerca de 85 mil cidadãos vivendo legalmente e, estima-se, pelo menos outros 15 mil de forma irregular, os brasileiros foram a maior comunidade de estrangeiros em Portugal. Uma situação que gera oportunidades, mas também muitos desafios, sobretudo em um momento de recrudescimento das políticas de regularização de imigrantes e de acesso a serviços públicos.
No cargo desde o fim de outubro, Figueiredo Machado me recebeu para uma entrevista na Quinta de Milflores —uma histórica propriedade do século 17 onde está instalada a embaixada do Brasil em Lisboa—, onde comentou essas e outras questões.
Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista.
Em que estágio estão as relações empresariais entre Portugal e Brasil?
Eu vejo Portugal como a porta de entrada do Brasil para o espaço europeu. Uma empresa brasileira que queira ter acesso ao espaço econômico da Europa encontra em Portugal oportunidades de se instalar e de, portanto, expandir os seus negócios para a Europa em circunstâncias mais favorecidas do que se ela não viesse para cá.
Nós todos queremos que haja um acordo que abra as portas da Europa para os nossos produtos. Eu sempre fui um ardoroso defensor desse acordo. Mas isso é também muito interessante em termos empresariais e que o investimento que seja feito aqui em parceria ou não com empresas portuguesas para acessar o mercado europeu.
Essa relação hoje não é bem explorada?
Eu acho que pode ser mais bem explorada. Mas obviamente isso dependerá de decisões de cada empresa e de políticas empresariais que não me cabem comentar. Mas abre-se essa opção que é bastante interessante para as empresas brasileiras que queiram se internacionalizar.
Muita gente diz que Portugal considera o Brasil como um país irmão, mas que Brasil vê Portugal como um primo distante. O senhor considera desta maneira?
Não vejo dessa forma. Basta ver o número de brasileiros que vêm a Portugal para visitar. Você não visita um primo distante. E há um enorme interesse por Portugal no Brasil. Basta andar nas ruas aqui e ver a quantidade de brasileiros. E que bom que é assim, porque isso reforça ainda mais o aspecto humano da relação.
A imigração brasileira mudou um pouco de perfil, com profissionais qualificados também vindo para Portugal. O senhor não teme uma fuga de cérebro com os acordos que permitem essa mobilidade?
Eu acho que a movimentação de profissionais qualificados é benéfica. Porque há um intercâmbio de experiência. Sempre que um profissional brasileiro vem para cá, ele traz com ele toda uma bagagem de experiências que ele vai usar. Isso é bom para a economia portuguesa e vice-versa. Todo profissional português que vai para o Brasil, ele leva uma bagagem em benefício da nossa sociedade e da nossa economia.
Eu vivi durante vários anos nos EUA, onde eu servi como diplomata. E eu percebi que lá existe uma movimentação muito grande entre médicos e outros profissionais de várias origens. E isso leva lá, no caso deles, a um enriquecimento do país. E não a um empobrecimento.
Sempre entram cérebros, também sairão cérebros por circunstâncias. Mas o fato é que o intercâmbio traz uma oxigenação às profissões que parece ser bem interessante.
Qual a opinião do senhor em relação à possível revisão do acordo ortográfico, que ainda encontra muita resistência em Portugal?
A língua vai ter sempre diferenças, e é bom que tenha. Como há como inglês dos Estados Unidos para o inglês da Inglaterra e da Austrália. Eles acabam sendo muito diferentes na pronúncia, mas se entendem perfeitamente no discurso, embora haja diferenças também.
Nosso caso com os portugueses é que nós temos diferenças entre os demais países de língua portuguesa na hora de pronunciar. E temos, sim, cada um de nós, regionalismos. Mas nada disso impede uma comunicação fluida. E, obviamente, é importante um acordo que permita ainda mais facilidade na comunicação. Tudo o que aproxima é bom. Claro, respeitados regionalismos, respeitadas certas características culturais. Isso é bom que se mantenha, porque todo idioma é vivo.
Nós criamos no Brasil sempre muitas palavras novas.
O senhor considera ter havido uma deterioração nas condições dos imigrantes?
Eu tenho a percepção que, na Europa, Portugal tem sido um país bastante generoso em relação a imigrantes e até a refugiados. A sociedade portuguesa, eu vejo a discussão, sempre em todos os jornais, há um sentimento sempre de solidariedade. É caso que sempre haverá uma voz discordante, porque democracias são assim.
Como está o interesse dos portugueses pela cultura brasileira?
Parte do trabalho das nossas embaixadas é a promoção cultural do país. Então nós buscamos que os artistas brasileiros sejam recebidos, admirados, ouvidos e vistos. E na grande maioria dos países é sempre um trabalho de formiguinha para tentar abrir espaços. Em Portugal, os espaços já existem e são amplos e genuínos devido à existência de uma demanda pela arte brasileira.
Nós vemos peças de teatro brasileiras, filmes brasileiros no circuito comercial. Sempre há algum cantor, alguma manifestação cultural acontecendo. A embaixada atua, sim, na área de promoção cultural. Porém, não nessa mesma escala. Nós fazemos muitas palestra sobre temas brasileiros, com professores brasileiros, algumas exposições. Coisas, digamos, menos comerciais e que são quase um complemento desse grande espaço cultural que nós temos aqui.
Qual a sua expectativa para o trabalho em Portugal?
Ser embaixador aqui é muito gratificante e intenso. Justamente pela proximidade da relação entre os dois países, é muito impressionante. Politicamente a relação está em um excelente momento.
Estou extremamente animado com essa nova fase, quase com uma retomada das relações. Houve a cúpula Brasil Portugal em Brasília, que passou por vários temas da agenda bilateral. Desde comércio até questões como reconhecimento dos diplomas. Mas também deu ímpeto natural à relação e ao entendimento. Portugal tem sido um parceiro muito importante do Brasil na esfera internacional. Nós valorizamos muito isso.
Além disso, Portugal hoje em dia, aliás como resultado de seu papel e esforços da diplomacia portuguesa, vamos ter um secretário-geral da ONU pela primeira vez que fala a nossa língua. António Guterres é um motivo de grande satisfação para o Brasil, porque era a pessoa mais qualificada para o cargo. Sabemos com certeza que vamos ter nele uma pessoa muito sensível e atualizada nos problemas mundiais. É um amante da paz. Uma pessoa que sabe construir pontes, que é a grande função do secretário-geral da ONU.
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