Brasileira que catava material reciclável é a nova presidente de associação de estudantes em Coimbra
Destino tradicional de estudos da elite dos dois lados do Atlântico, a cidade de Coimbra, no centro de Portugal, terá sua associação de estudantes brasileiros presidida, a partir de hoje, por uma jovem nascida no Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo.
Primeira de sua família a chegar ao ensino superior, Luciana Carmo, 29, frequenta as aulas do mestrado em filosofia da Universidade de Coimbra. Com cerca de 2.000 brasileiros (entre graduação e pós), a UC é instituição que concentra mais estudantes do nosso país no exterior.
Antes de passar pelos corredores da universidade fundada em 1290 — com alunos tão ilustres quanto o escritor Eça de Queiroz –, Luciana precisou recolher material reciclável para vender e ajudar nas despesas domésticas.
“Meu pai teve um AVC quando eu tinha 11 anos. Precisei ajudar minha mãe desde cedo a cuidar dele. Como não tínhamos dinheiro, também passamos muito tempo recolhendo alimentos que seriam descartados nas feiras”, conta.
“Sabe aquela maçã com um pedacinho machucado, que está feia e não seria vendida? Era esse tipo de coisa. Cortávamos a parte ‘ruim’ e comíamos o resto dos alimentos. Fizemos isso por muito tempo”, completa.
Bolsas de estudo
Bolsista da Universidade Presbiteriana Makenzie, em São Paulo, Luciana chegou a Coimbra também através de uma bolsa de estudos.
Em 2015, ela foi selecionada pelo programa Santander Universidades. No ano seguinte, foi contemplada por uma parceria da universidade paulistana com a instituição portuguesa.
“Eu não pago as mensalidades, o que já é uma ajuda muito grande, mas a permanência aqui ainda é com muitas dificuldades”, conta.
Gestão
Luciana, que toma posse da presidência da Apeb (Associação de Pesquisadores e Estudantes Brasileiros) em Coimbra nesta terça (31), diz que pretende dedicar sua gestão a diminuir as “muitas dificuldades” dos estudantes brasileiros na cidade.
“Ainda é um espaço elitizado. E há muitos brasileiros, sobretudo os que chegaram a Coimbra com o apoio de alguma bolsa, que tem dificuldades de base, de formação mesmo”, relata.
“É o caso do inglês, Muitas aulas são ministradas no idioma, têm material de leitura em inglês, que não é dominado por todos. Eu estudei em escolas públicas a vida inteira, por exemplo, e essa é uma lacuna que eu não consegui preencher na minha formação”. conta a estudante.
Outro projeto de Luciana e da chapa vencedora da Apeb é a luta pela igualdade no valor das mensalidades entre alunos brasileiros e os portugueses. Hoje, os estrangeiros pagam mais caro pelos estudos na universidade.
Poesia
Além das atividades acadêmicas, a estudante se dedica à militância em grupos de empoderamento dos direitos das mulheres e do movimento negro, além de escrever poesia.
Ela foi finalista no concurso português de Slam —espécie de poesia recitada—, representando a cidade de Coimbra.
“Uma das minhas maiores inspirações, e eu digo isso na minha poesia, é a minha mãe, Maria do Carmo. Uma mulher fantástica”, diz.
Apesar das saudades dos pais e do da filha, que vivem no Brasil, a estudante pretende estender a temporada no país de Camões.
“Esse período aqui me permitiu aprender muito. Ter oportunidades de aprendizado acadêmico e culturais fantásticos. Não teria acesso a isso de outra forma”, conta.