Feita só por brancos, dublagem de ‘Soul’ causa polêmica em Portugal
Recém-lançado, o filme “Soul” fez história por apresentar o primeiro protagonista negro nas produções da Pixar: o professor de música nova-iorquino Joe Gardner. Além dele, a maior parte dos personagens também é afro-americana.
A versão original optou por contemplar esse legado, escolhendo uma grande quantidade de atores negros para dar voz à animação. Um movimento que foi seguido na dublagem realizada na maioria do países, incluindo o Brasil.
Portugal, no entanto, foi uma exceção.
O time de dubladores responsáveis pela versão portuguesa de “Soul” é composto praticamente só por atores brancos. A opção por um casting excluindo artistas negros –em um momento que o país vem enfrentando crescentes tensões raciais– está gerando polêmica no país.
Um time de personalidades da cultura portuguesa lançou um abaixo-assinado pedindo que a dublagem (ou dobragem, como se diz em Portugal) seja refeita. Entre os signatários estão os cantores Dino D’Santiago, Mayra Andrade e Sara Tavares, além da modelo Ana Sofia Martins e do líder da ONG SOS Racismo, Mamadou Ba.
O grupo destaca a preocupação com a representatividade e o legado da cultura negra apresentados na versão original, e afirma que não houve o mesmo cuidado com a dublagem portuguesa.
“Não está em causa o habitual bom trabalho em dublagens feitas em Portugal ou a qualidade dos atores da versão portuguesa, mas há aqui a expectativa de respeito pela intenção original e pelo que este representa historicamente: ser o primeiro filme de animação com um protagonista negro, interpretado por vozes negras. As palavras respeito, representatividade e intenção são chave aqui”, justificam.
Em menos de 24 horas, a petição já passava das 6 mil assinaturas.
Em declarações à revista Sábado, a Disney afirmou que leva em conta questões de representatividade, mas reconhece que ainda há muito por fazer.
“Esforçamo-nos por ser inclusivos nos nossos castings, contudo reconhecemos que há trabalho a fazer e estamos comprometidos em diversificar os talentos nas nossas dobragens, independentemente da geografia onde atuamos”, diz a empresa.
Um dos primeiros a chamar a atenção para o assunto, através de um post nas redes sociais, o ator português Marco Mendonça falou sobre a pouca representatividade dos negros no setor .
“A área das dublagens em Portugal é mais uma em que artistas negros e negras não se vêem representados, mesmo em filmes onde a representatividade deve ser, logicamente, um critério na escolha do elenco. É certamente uma vitória termos acesso a um filme da Pixar protagonizado por personagens e vozes negras, mas por que não esforçarmo-nos para prolongar essa vitória? Por que não considerarmos artistas de pele negra para dar voz a personagens negras?”, questionou.
Os críticos da dublagem sem negros em Portugal citam como exemplo as versões de vários outros países.
Para dar voz ao protagonista, que na versão original fica sob responsabilidade de Jamie Foxx, muitos artistas optaram por atores negros.
No Brasil, o trabalho foi realizado pelo veterano das dublagens Jorge Lucas, que também apareceu em carne e osso nas telinhas como o médico Dr. Mauri da novela “Bom Sucesso”. Já na França, o astro Omar Sy, famoso pelo filme “Os Intocáveis”, dá voz a Joe.