De volta a Portugal, d. João 6º lidou com crise política e até golpe de Estado tramado pelo filho
Há 200 anos, a família real portuguesa deixou o Brasil. O regresso de d. João 6º a Portugal, após mais de 13 anos fora, foi conturbado. Além do clima político hostil e da economia arrasada, o monarca enfrentou diferentes complôs para tirá-lo do trono, envolvendo sua mulher, d. Carlota Joaquina, e seu filho d. Miguel.
As adversidades começaram já no desembarque em Lisboa, em 4 de julho de 1821, quando as Cortes –que haviam assumido o poder na revolução liberal do ano anterior– fizeram questão de reforçar o rebaixamento da autoridade real.
Embora seu navio tenha chegado à capital no dia anterior, e o próprio rei tivesse manifestado o desejo de desembarcar horas depois, as Cortes deliberadamente ignoraram o pedido.
Mantido incomunicável na embarcação, d. João 6º só foi autorizado a sair no momento escolhido pelas Cortes. Além disso, viu parte de seus acompanhantes e indicações ministeriais vetadas de antemão.
As próprias cerimônias que marcaram o retorno da família real foram planejadas pelos liberais como uma forma de mostrar a nova condição da monarquia.
A população foi em peso para as ruas, mas, por determinação das Cortes, a cidade e as casas não foram adornadas com arcos triunfais, como normalmente aconteceria nessas ocasiões.
“O sentimento generalizado seria o de que se acolhia não um soberano vitorioso, mas um rei derrotado, indigno de arcos triunfais”, nas palavras do historiador Valentim Alexandre ao jornal Público.
Sem poder de barganha ou margem negocial, restou a d. João 6º aceitar as determinações e jurar a constituição liberal.
Com poderes limitados e sem conseguir indicar seus próprios ministros, d. João 6º veria a sua situação começar a mudar em 27 de maio de 1823, quando d. Miguel, com o apoio de parte do Exército, organizou uma rebelião contra o governo liberal.
Após demonstrar alguma hesitação. D. João 6º acabou aderindo ao movimento, assumindo o comando da situação e controlando a ascensão ao poder de d. Miguel, que acabou nomeado para o comando do Exército.
O episódio, conhecido como vila-francada, marcou o fim do período liberal iniciado na revolução e reestabeleceu o poder a d. João 6º.
Mesmo com a decisão do monarca de anular a Constituição, libertar presos políticos e cancelar as sentenças contra a rainha Carlota Joaquina (que havia sido punida por se recusar a jurar as leis liberais), o partido absolutista não se mostrava satisfeito com as medidas, consideradas excessivamente moderadas.
“Tudo isso desagradava a d. Carlota Joaquina e a d. Miguel, que aspiravam ao restabelecimento da monarquia absoluta”, escreve a historiadora portuguesa Maria Cândida Proença.
D. João 6º sofre então uma nova tentativa de golpe, realizado pelo próprio d. Miguel. Em 30 de abril de 1824, com apoio do Exército, o príncipe investiu contra o pai, que acabou cercado por tropas miguelistas no Palácio da Bemposta, em Lisboa.
O rei só não caiu por interferência de diplomatas estrangeiros, sobretudo os embaixadores da França e da Inglaterra, que asseguraram a d. João 6º o apoio das potências europeias.
Com o auxílio inglês, o monarca se refugiou em uma nau britânica ancorada no Tejo e conseguiu retomar o controle da situação. D. Miguel acabou demitido do comando do Exército e enviado para o exílio em Viena, na Áustria.
Fragilizado pela instabilidade doméstica e sem apoio internacional para tentar reintegrar o Brasil ao reino, Portugal, sob o comando de d. João 6º, acaba reconhecendo a independência do Brasil em agosto de 1825, em um acordo mediado pelos ingleses.
O rei morreria poucos meses depois –há fortes indícios de que ele teria sido envenenado–, em 10 de março de 1826, aos 58 anos, deixando um baita problema de sucessão.
Com o filho mais velho no comando de uma ex-colônia que se declarara independente, e o mais novo exilado por tramar um golpe de estado, quem era o herdeiro legítimo?
A disputa entre os irmãos, que se prolongou pelos anos subsequentes, mergulhou Portugal em uma guerra civil.